ÉRAMOS JOVENS

sábado, 6 de novembro de 2010

AACD



TEXTO I
Sempre que toco no assunto DEFICIÊNCIA, lembro de uma propaganda recente que um adulto caminha com uma criança e a criança vê o morador de rua, vê a outra criança pedinte e o adulto não vê. Nós, orgulhosos adultos, que temos carreira, casa, carro, emprego não vemos o que NÃO nos interessa. Lembro-me de na infância e adolescência não ter nada a favor ou contra deficientes, mas lembro de ter contra crianças. Talvez porque mesmo nosso pai não deixando faltar nada dentro de casa, nossa mãe sempre foi “batalhadora”, as coisas “supérfluas” ela se virava, e nos anos 70 não havia tantas creches, mas já havia mulheres chefes de família e mamãe “cuidava” das crianças dos outros para entrar um dinheiro a mais. Contarei isso em outra oportunidade. Isso nos deixou meio que cismados, pois o “melhor” era sempre para o filho dos outros... e vai criança (nós, os filhos) entender isso? Não era o melhor, era a obrigação da mãe! Mas para nós, criança era sinônimo de problema. O tempo passou, crescemos, o bairro cresceu, mamãe passou a fazer outras coisas e a vida seguiu.
Vinte anos depois, uma prima amada (como todos os nossos parentes, são muito amados por nós) teve um filho, lá nos confins do MS, extremo sul, cidade de fronteira chamada PARANHOS. Quando ele nasceu (1992), a tia escreveu e disse que ele tinha ‘um probleminha’ nas pernas, tinha ‘fraqueza’, não ficava em pé direito... para nós, normal. Se, era filho da prima, era amado também. Meu pai adoeceu em 93 e morreu em maio de 94; e conhecemos o BRUNO, este filho de minha prima em agosto de 94. Deus é realmente providencial, nos mandou o Bruno para preencher aquele vazio.
Foi assim: recebemos uma carta dizendo que ele vinha em consulta na AACD de São Paulo, e claro colocamos nossa casa a disposição, mesmo porque eu e minha prima somos contemporâneas e éramos muito amigas quando moraram aqui perto de nós. Apaixonamos-nos por Bruno á primeira vista, menino lindo, lindo, lindo! Doce, risonho! E quando a prima colocou-o no chão de casa, com 2 aninhos vimos o “probleminha”: ele não andava. Não era fraqueza não gente, era PARALISIA CEREBRAL, que afetou a parte motora dos membros inferiores.
O susto foi enoooooooorme! Ele colocava as mãozinhas no chão e impulsionava para se deslocar, pois as pernas não tinham mobilidade (aparentemente) nenhuma. Primeiro emudecemos, depois choramos e a prima contando a história e ele nem aí! Rindo, brincando, falando a língua dos bebês dessa idade. Pois, como todo ser que nasce fora dos padrões chamados “normais”, para Bruninho estava tudo certinho! Na visão dos deficientes, estranhos somos nós (os normais), aprendem tudo igualzinho, ou até melhor, dentro de suas limitações. A deficiência dele era só motora, sem retardo ou danos maiores no cérebro. AFFF, caímos de pau na prima! Por que não falaram antes? Por que só vieram a SP depois de dois anos? Se tivessem vindo antes, ele estaria andando! Brigamos, questionamos. Mas depois nos colocamos no lugar dela, do marido, da família. Eu vivo em São Paulo, onde tudo é acessível (e ainda achamos ruim), eles vivem num lugar que o hospital mais próximo fica a 5 horas de estrada de terra, com pontinhas de madeira (duas madeiras), lugar esquecido, não tem mercado, feira, saúde, rede de esgoto, não tem ônibus, gente, afff, não tem nada! ESTAVA EXPLICADO.
O Bruninho também gostou da gente! Tratávamos ele, de igual para igual. Como não tínhamos mais o costume com crianças, ele era nosso brinquedinho! A gente ria muito e ele também. Era tanto beijo, tanto abraço. Minha prima é meio seca, mas a vida dela não foi fácil, talvez ela tenha colocado essa armadura e não conseguiu tirar mais. E numa cidade pequena ter um filho deficiente, é barra! Fomos à consulta com ela, afinal ela não sabia “andar” em São Paulo. Conheci naquele dia a AACD, que passava na frente sempre, sabia do que se tratava, mas nunca havia assimilado (perdoe a expressão) bosta nenhuma; nunca imaginei que ali dentro era um universo a parte. Chorei da portaria de entrada até ... até... até HOJE! Não chorei de dó não, chorei e choro de emoção. SEGUE...

Nenhum comentário: