ÉRAMOS JOVENS

domingo, 13 de setembro de 2009

DE MAL DE QUEM?


EM 2005
Foi essa minha pergunta ao hematologista que cuidava de minha mãe. Ela por ter descendência européia (Paraíba-européia??). Não tem graça! É isso mesmo, o nordeste foi colonizado por quem? Acham que nasceram de abóboras? Jerimuns? E a mutação genética ou evolução das espécies, fizeram com que as cabecinhas chatas criassem pernas??? Não meus caros! SOU CHIQUE, BEM! Pois então! O doutor lá achou glóbulos brancos demais e vermelhos demenos (rs)! Eram exames de rotina. A mãe amava um consultório...rs Comecei a estranhar as reações dela, e isso é um longo e doloroso relato que está por aí. Certa vez, ela voltou do médico com uma história tão descabida que decidi ir eu lá pessoalmente. Falei o que era, o Dr desmentiu e começou a me fazer perguntas sobre o comportamento da mãe, ao final me disse que suspeitava de Mal de Alzheimer. (Choque!) Meu deus! Minha mãe pode estar com “isso”? E ele disse que sim... que horror, e agora? O que fazer? Pra onde ir? OPA! “Doutor, do que estamos falando mesmo?!”. Nem sabia o que era! Como ia me desesperar? Rs. Me disse que era uma DEGENERAÇÃO das células do cérebro. Sei..... degenerada ia ficar a cara dele se não fosse uma cara tão lindinha... branquinha (todo médico novo tem cara lisinha, né?). Rs. Não sabia se me aliviava ou me descabelava! Fiz tudo o que ele pediu, marquei todos os exames: neurologia, fisioterapia, geriatria e tudo o quanto era “IA”! E já fomos tratando de saber mais sobre o carinha aí, o ALZHEIMER! Nada! Ninguém sabe, ninguém viu... parecia a Conceição do Cauby! Internet! Claro! Tirei tudo, lia tudo. Concomitante, seguiam exames e mais exames. Por fim, um questionário de 6 horas e a constatação: É! E EM FASE III!
A guerreira cai por terra. Seus dois comandados, atônitos! A mãe estava no caminho de volta! Todo o processo natural seria invertido. A mulher-macho, a mulher sem rédeas desde sempre, sucumbiu aos melindres do cérebro. Nem meu avô, durão, conseguiu domá-la: cedo ela já tinha seu próprio gado, não ia pra roça com as irmãs (só SETE! o que despertou desde cedo o despeito), quando saíram do nordeste, fugindo pra não morrer ou não matar por disputa de terras, vieram pro Paraná (um patrimônio em Cafezal – hoje Cafezal do Sul) e a mãe não ficou muito tempo lá, veio pra Sampa, morar com os primos, era costureira “de mão cheia”, e tinham colocação pra ela na “cidade grande”. Veio. Conheceu na roda dos primos um baixinho folgado, todo arrumadinho que ia lá jogar, era chegado na kátia (katiaça!), ela com 30 e ele com 23, cinco anos de namoro e noivado (naquele tempo tinha isso! Perguntem aos mais velhos...rs), o baixinho era contador de profissão (e contador de história também!). Casaram em 31/12/67, fizeram a criatura mais linda do mundo (EU!) em fev/68, era pra eu sair no fim de outubro, eu não queria! Lá devia estar gostoso! Foi um parto difícil, eu tinha passado da hora há dias (já nasci passada!). Parto por “FÓRCEPS”! Bem que o Santi diz em outras palavras que sou isso!
Se meu pai foi 10, 7 foram da mãe: esposa mesmo, alegria, tristeza, saúde, doença. Se não fosse ela, nossa família teria se dizimado em 1973/74 quando o pai dela morreu, e a família se voltou contra meu pai, o acusando de falcatruas. Foi a mãe quem segurou a onda do marido que se entregou à bebida e perdeu emprego. Foi a mãe quem virou dia e noite sobre uma máquina de costura pra “ajudar”... ela não ajudava, ela SUSTENTAVA, mas dizia que ajudava pra não ficar chato pro pai. Foi a mãe que do jeito dela, fez ele se reerguer, ele abriu a própria firma, passou a trabalhar em casa e lutou contra o alcoolismo, e venceu. E a mãe lá... costurando, cuidando de crianças e vendendo tudo quanto era catálogo que aparecia pra reforçar a renda... ela queria reformar a casa, eu e meu irmão estávamos crescendo. Nossa obrigação: estudar e limpar a casa. Brigas, discussões foram muitas, inúmeras... traumas? Do fundo de minha alma, NENHUM. A mãe na verdade era (e é) a coluna principal. Se o pai bebia e vinha pro lado dos filhos, a mãe já acolhia a gente atrás dela, ele não batia em pessoas, mas quebrava tudo (hoje dou risada), na época eu pegava meu irmão e ia pra “tia Beta”, ao lado, pulávamos o muro (muro = 4 fileiras de tijolos!kkk) e ficávamos lá até a mãe ou ou próprio pai depois do porre, ir buscar a gente. Poxa, a tia Beta! Não era tia, mas como o bairro foi fundado por 02 ou 03 famílias, todos eram meio que parentes! (Vou procurar esse povo, há uns 10 anos soube que viviam entre SJC e Taubaté).
E por ai foi: reforma da casa: MÃE! Administração: MÃE! Surras: MÃE! risos. Putz! Como apanhei da mãe! Até o pai apanhou dela! E a guerreira guerreou, e lutou. Na viuvez, Deus, ninguém sofreu como ela! NINGUÉM. Não se entregou, não deixou que nos entregássemos. Com o primário incompleto, administrava nosso dinheiro como poucos economistas (o governo atual do polvo (polvo ou lula?) devia ter contratado ela). Tinha poupança, aplicação (isso meu irmão herdou dela), tirava daqui, punha ali. Era independente. Enchia a boca e se inflava ao falar do filho professor. Até que resolveu descansar... e como todos tem um tempo sobre a terra, ainda não é a vez dela partir, e como sempre foi rebelde (ih caraca! Só herdei o lado ruim dos dois??? Rs – cadê o divã?), resolveu se desligar mesmo assim... talvez a falta do companheiro de mais de 30 anos, talvez a ausência dos filhos que saiam as 6h e voltavam as 23h, talvez isso, talvez aquilo... a demência de Alzheimer ainda não tem explicação... e nem cura. É UM CURTO CIRCUITO GERAL NAS INSTALAÇÕES DOS MIOLOS! Se descoberto no começo, demora mais, senão, queima tudo! Apaga! Hoje a coluna tá aqui. Me olha, olha... as vezes conhece, as vezes não! chamamos ela de “bebê gigante”. Me lembra autismo. Mas é a coluna que ainda nos protege, mesmo sem saber, tudo é feito em torno dela. No inicio, EU mesma fui atrás de um asilo, me deu uma pane e por 24h ceguei e achei melhor ela estar num lugar onde supostamente seria mais bem tratada que em nossa casa, é... devo ter surtado mesmo! Como pensei numa loucura dessas? Meu irmão não concordou, me chamou a razão.
O passado e o presente se misturam na cabecinha dela, e hoje já não criticamos quando ela pergunta do pai dela ou do meu. Ou quando diz que nossa rotwailler é um cabrito. Gargalhadas. E mesmo, muitas vezes sem saber nem onde está, ela ainda tem porte (sempre foi uma mulher elegante), sorri a toa – digo, isso depende do dia – gosta de roupa bonita, toca meus brincos, diz que são bonitos e quando ponho brincos nela e mostro no espelho ela sorri, mas não gosta muito, pessoas com Alzheimer não gostam de espelhos e adoram bananas! Vamos construir a nova casa pra ELA. Por isso nossa pressa. Depois que a mãe se for não precisamos mais de muita coisa. A guerreira descansa, ela merece... faz coisas de criança, talvez faça hoje o que não fez quando era, pois trabalhou desde sempre, a nós coube assimilar, entender, aceitar e mudar NOSSOS hábitos para servi-la. Foi difícil? Foi e é! Mas quando a olhamos, sentimos dali sair nossas forças; a mestra só parou de agir mas continua transmitindo energia ímpar! É isso, como diz a frase: lutar sempre, vencer às vezes, desistir jamais! E... guerreiros com guerreiros, fazem zig, zig, zag! E no zig-zag vamos montando a colcha de retalhos de nossas vidas. E que bela colcha!
Ell@/set/05

2 comentários:

Blog da Gazeta Maringaense disse...

Gilda,
Chorei aqui lendo o seu relato tão cheio de amor, dor e poesia. Me vi um pouco no seu texto. Acho que temos algo em comum. Minha mãe também era assim, foi uma costureira das melhores que havia, era independente, criou seis filhos, adorava ler e viajar. Resumindo, era uma guerreira. Quando ela "foi embora" há dois anos atrás, minha vida ganhou uma lacuna, perdi um pouco minha referência, descobri que a vida também pode ser triste, contrariando tudo o que sempre vivi, pois sou alto-astral, e aproveito tudo que ela (a vida) me oferece. Mas, não sucumbi não. Aproveitei meu momento de dor para refletir e isso me fez mais forte.Minha mãe assim como a sua, virou um bebê no fim da vida. Contrariando toda a família nunca quis interná-la, fiz questão de cuidar dela até o fim e não me arrependo nem por um minuto disso. Tenho certeza que você também nutre um grande amor por sua mãe e as vezes deve se sentir sozinha, perdida, se achando impotente frente à doença dela. Mas saiba que o importante é não deixarmos a "peteca cair" e mais tarde com certeza você chegará à conclusão que tudo que você fez por ela terá valido muito a pena.
Beijos,
Também sou sua fã, rsrs
Malu

LOYRA*SP disse...

MALU... se eu já gostava de vc sem saber nada de ti, agora a amo; primeiro pq és paulistana da minha zona leste(ou lost), depois pq deu novo brilho a vida do Santi, obrigada e acima de tudo, por saber que somos frutos de mulheres guerreiras... não é à toa que somos quem somos, não é? rs... UM BEIJO.